O Petit Lenormand

O sistema conhecido no Brasil como Baralho Cigano, surgiu no século XVIII e se mantém popular em todo o mundo, principalmente na Europa e Américas. Com um nome associado a uma das cartomantes mais célebres do mundo, o Baralho Cigano, ou Petit Lenormand, vem conquistando cada vez mais espaço, especialmente nos últimos 4 ou 5 anos, não só pela precisão e objetividade de suas previsões, quanto pela simplicidade com que se aplica. 


Ao contrário do que muitos acreditam, e do que alguns pregam, o Petit Lenormand não é um oráculo (embora possa ser utilizado como um). Ele é um sistema de cartomancia, baseado nas tradições divinatórias européias (cartomancia e borra do café), principalmente germânicas, dos séculos XV a XVII. O sistema utiliza as cartas de 6 a 10, os reis, damas, valetes e ases do baralho comum. As cartas ilustradas, como as conhecemos hoje, foram organizadas pela primeira vez por Johann Kaspar Hechtel, em Nuremberg, na Bavária (hoje Alemanha), por volta de 1798/99, originalmente como parte de um jogo de tabuleiro, para entretenimento, batizado por ele de " O Jogo da Esperança", e que poderia ser utilizado também com fins divinatórios. 


O nome "Petit Lenormand" surgiu na publicação deste conjunto de cartas, pela primeira vez, em 1846, na Alemanha, pela editora Reiff, e quase simultaneamente na França, criando a ilusão de que teria sido elaborado por Mademoiselle Lenormand. Conhecida como "A maior Cartomante de todos os tempos", Marie Anne Adelaide Lenormand, ou simplesmente Mlle Lenormand, francesa de Alençon, viveu a maior parte da sua vida em Paris, onde, por mais de 50 anos, realizou leituras preditivas para pessoas de todas as origens e classes sociais, inclusive personalidades importantes como os soberanos da Europa, o rei George IV e o czar Alexandre, os príncipes orientais, chefes de Estado,  Napoleão Bonaparte (que chegou a ser imperador da França), celebridades como Danton, Marat, Robespierre, e tornou-se a confidente da imperatriz Josephine. Mlle Lenormand também escreveu muitos livros, dos quais mais de 30 seguiram inéditos após sua morte, aos 71 anos, em 1843. Ela nunca se casou, não teve filhos, e não costumava ter discípulos ou aprendizes, e embora tenha deixado uma grande fortuna, suas cartas nunca foram encontradas. Acredita-se, a partir do que escreveu em alguns livros, que Marie Anne utilizava um baralho de Piquet para suas leituras, e, talvez um tarot. Associar o nome de um baralho divinatório ao nome da grande cartomante foi uma bem sucedida estratégia de marketing, tanto com o "Gran Jeu de Mlle Lenormand", um baralho com 52 cartas, quanto logo depois, com o "Petit Lenormand" (o "Pequeno Lenormand",  um baralho reduzido, com apenas 36 das 52 cartas), e que nada têm a ver um com o outro, ou seja, o Petit Lenormand não é uma versão reduzida do Gran Jeu Lenormand.


O Petit Lenormand tem sido tão popular ao longo de sua história, que já foi, inclusive, distribuído como prêmio colecionável em maços de cigarro,  principalmente nos EUA (a primeira marca de cigarros a distribuir as cartas foi Allen & Ginter em 1875), assim como distribuíam cartas colecionáveis com celebridades, times de baseball, animais, etc.  Qualquer pessoa poderia facilmente - e com baixo custo - adquirir um baralho e começar a fazer predições de seu futuro imediato ou próximo, sem maiores complicações e sem, necessariamente, estar conectado ou filiado a nenhum sistema de crenças, esotérico ou não. O Petit Lenormand - embora criado em uma sociedade cristã (católica) - não se associa a nenhuma escola mística, esotérica ou religiosa.


As cartas são tão simples e objetivas quanto os símbolos com que foram relacionadas,  comuns na rotina de quase todo mundo - cartas, flores, casa, árvore, jardim, cachorro, etc. , e por isso mesmo, é um sistema com o qual qualquer pessoa consegue realizar previsões.  Os significados que compõem, hoje, o que se chama de "método tradicional" derivam de um manual de instruções assinado por Phillipe Lenormand (que não era da família de Marie Anne), publicado pela primeira vez em 1846, e republicado - algumas vezes com poucas variações - ao longos dos próximos mais de cem anos desde sua primeira aparição.Baseado em um sistema construtor a partir de palavras chave que, juntas, formam sentenças - e "parágrafos inteiros" -  que predizem a sorte, o método tradicional associado ao Lenormand utiliza as 36 cartas, dispostas em fileiras de 8 cartas mais uma fileira com 4 cartas, ou fileiras de 9 cartas, que, juntas, formam a "Mesa Real". Além da organização das palavras chave em sentenças, a posição das cartas dentro da Mesa Real, assim como sua distância em relação às cartas que simbolizam os consulentes também são levadas em conta no momento de estabelecer relações entre as cartas e a vida do consulente, assim como as combinações entre elas, criando a rota de previsões que lhe será apresentada.


Hoje, no mundo todo, é comum que os cartomantes utilizem técnicas e métodos que utilizam um número reduzido de cartas, com 2, 3, 7, 9 cartas organizadas em fileiras, como 3 fileiras de 3 ou 4 cartas que formam uma estrutura que será interpretada de acordo com o estilo que se segue. Alguns métodos frequentemente utilizados em outros sistemas ou oráculos também são trazidos para o Lenormand, e, adaptados, funcionam perfeitamente. E por ser um baralho tão popular, é natural que tenham surgido, ao longo do tempo, outras maneiras de jogá-lo, interpretar as cartas, organizar métodos de leituras, valorizar mais ou menos a técnica e a intuição do cartomante. Com isso, nasceram as diferentes "escolas"  ou "estilos" de trabalhar com o sistema, que são, em sua grande maioria, variações culturais a partir de um mesmo tema - e hoje já se definem apenas como estilos e não mais como escolas, adequando os termos aplicados a essas "diferenças". Entende-se que o termo "escola" não se aplique porque as variações entre um e outro estilo são pequenas ou apenas variam de acordo com a cultura local - por exemplo, no Brasil, o baralho tem suas cartas associadas a Orixás e outras entidades dos cultos afro-brasileiros, por se tratar de uma ferramenta comum dentro dos terreiros destes cultos; na Alemanha associa-se O Urso, a carta nº 15,  a uma figura masculina, enquanto na Bélgica e Holanda se trata de uma mulher, ambos com imenso senso de proteção; O Trevo, a carta nº2, na Europa é associada à sorte e eventos alegres, no Brasil aos obstáculos, e na Rússia à Santíssima Trindade.


Independente do estilo associado a leitura, é fato que no Lenormand, os símbolos são sempre os mesmos, ainda que apresentados de diferentes formas por diferentes ilustradores, ou seja, O cavaleiro será sempre O Cavaleiro, ainda que ele seja apresentado sobre uma moto em um deck moderno, seu significado não se altera - assim como As Flores serão sempre as flores, e a carta não terá seu significado alterado se o autor decidir utilizar como símbolo rosas vermelhas, brancas ou amarelas, ou ainda um bouquet de flores do campo. O que difere a interpretação das cartas, portanto, não é o símbolo que a carta traz - como acontece, por exemplo, no tarot - e sim o estilo de interpretação que o cartomante segue, por exemplo de base francesa, holandesa ou belga, alemã, russa ou brasileira.  O Urso poderá representar uma visão negativa de inveja e discórdia em um estilo, ou completamente oposta, como proteção e poder, em outro.


Por isso mesmo, hoje já é unânime em todo o mundo a recomendação de que se siga de maneira consistente um único estilo de interpretação, para que as leituras se façam precisas e apuradas, sem conflitos e confusões para o cartomante que as interpreta.


Ainda que seja um sistema tão popular, os detalhes que envolvem sua interpretação e a consequente narrativa de predições, devem ser estudados com afinco e dedicação, para que as leituras se tornem objetivas, diretas, e extremamente precisas. Um aprendiz pode trabalhar com um conjunto de palavras chave - preferencialmente baseadas nos significados tradicionais das cartas, dentro do estilo que tenha escolhido seguir, e iniciar sua prática e estudos a partir daí. Praticar Lenormand envolve, antes de tudo, observar a sua própria vida, e como as cartas respondem através de eventos e acontecimentos, no seu dia a dia. Estudar profundamente como interagem as cartas na Mesa Real e nos diferentes métodos que alguém pode aprender e praticar, é uma jornada. O aprendiz acaba por descobrir que iniciou esta viagem rumo ao desenvolvimento de uma nova linguagem, a linguagem Lenormand, e que, ao chegar a sua "fluência", as cartas realmente "falam"! Ao compararmos o sistema de cartomancia com uma linguagem, também compreendemos que não se aprende tudo de uma vez, que não há a possibilidade de, depois de alguns poucos dias, dominar o sistema e sair fazendo previsões certeiras. Da mesma forma que você não aprende a falar grego em poucos dias! Você pode, é claro, aprender algumas frases e vocabulário, suficientes para comunicar-se de maneira básica em uma determinada ocasião, mas a fluência exige estudo e prática. Assim também funciona a cartomancia. Através do estudo você compreenderá a "gramática", e a prática e "conversação" lhe ensinarão as gírias e expressões comuns em cada cultura onde se utiliza aquela linguagem. A sua própria vivência acrescentará nuances e sutilezas, imprimindo em suas leituras o seu próprio estilo pessoal.


Utilizar a cartomancia no dia a dia é, além de um prazer, um desafio. O desafio de manter-se alerta às nuances que as cartas apresentam, ouvir a experiência de quem utiliza o sistema a mais tempo, associar as "coincidências" que se apresentam na rotina de prática e estudos. Não há um período determinado para que se chegue a ser um "profissional". Também não existe método "certo" ou "errado" - embora possamos dizer que alguns são tradicionais outros não. O que se pode afirmar, sem dúvida, em face a tudo que vem sendo mostrado e divulgado mundo afora, é que o Petit Lenormand acaba por transformar esta jornada em uma prazerosa aventura, através da qual véus vão sendo derrubados, e a Luz da verdade se torna cada vez mais vívida diante dos olhos de quem se aventura!


"O Jogo da Esperança", de 1798 - Imagem do Museu Britânico
http://www.britishmuseum.org/

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